quinta-feira, 28 de abril de 2011

0020 - Seminário "Arqueologia e Identidade"

"ARQUEOLOGIA E IDENTIDADE: PROBLEMÁTICAS DE UMA CIÊNCIA INTERDISCIPLINAR"

é um seminário que está a ser organizado pela Associação de Estudantes da FLUP em parceria com o Núcleo de Arqueologia da Universidade do Porto. O seminário decorrerá entre os dias 24 e 26 de Maio na FLUP.

sábado, 9 de abril de 2011

0019 - Da necessidade de contemplar o sentido.

“Mau grado numerosas instâncias de sofisticação, não deixa de ser verdade que a nossa linguagem quotidiana e pensamentos rotineiros continuam a funcionar dentro de um dualismo mente-corpo bastante simples. No nosso uso irreflectido de polaridades como psíquico e físico, mental corpóreo, inato e ambiental, não fizemos grandes progressos dentro de esquemas dissociativos da filosofia cartesiana e idealista.(...) Quando nos damos ao trabalho de reflectir, de considerara a evidência, é claro que ficamos certos de que este dualismo grosseiro não é adequado. As suas categorias são irremediavelmente indiscriminadas; as zonas intermédias, tal como as formas de interacção e determinação recíproca, são demasiado numerosas. (...) Estudos recentes sobre a formação da fala humana indicam que existe uma mediação crucial entre, por um lado, a matriz neurofisiológica, ou mesmo neuroquímica, e, por outro, factores a que só podemos chamar psíco-culturais.(...) Por certo que hoje é um lugar-comum honesto dizer-se que a consciência psicológica influi no ambiente circundante, que a consciência psicológica é, de certo modo, a estrutura ambiental, e que as relações de reciprocidade entre imaterial e o material se caracterizam por um retorno dinâmico. Por todo o lado, o velho divórcio entre o espírito e a carne cede a uma metáfora de continuidade muito mais complexa.
                De forma semelhante, está a decorrer uma revisão fundamental de noções tão básica como acaso, probabilidade, lei. O desenvolvimento da física quântica acarretou um debate filosófico de grande intensidade e com grandes implicações na própria base daquilo a que chamamos objectividade. As actuais hipóteses sobre energia, o espaço ou a direccionalidade do tempo são caracterizadas por escrúpulos e provisoriedade sem precedentes; diria mesmo até, por licença poética. A mecanicidade de Laplace ou dos termodinâmicos oitocentistas, se existiu realmente enquanto tal, foi em grande medida posta em questão, não pelos mercadores de mistérios, mas sim pelas próprias ciências exactas e matemáticas. Conjecturas muito recentes na área da cosmologia aceitam mesmo a possibilidade de que as constantes físicas e as leis da relação massa-energia se tenham alterado ao longo da história do Universo. Na esfera das artes, vive-se uma liberdade especulativa sem paralelo.” (George Steiner, Nostalgia do Absoluto, p.:60-61)

Neste pequeno excerto, George Steiner afirma o que já muitas vezes defendi: as próprias ciências "duras" confirmam o indeterminismo e demonstram o absurdo da separação corpo-mente, sujeito-objecto, não fazendo mais que aquilo que a filosofia, paralelamente, já tinha igualmente concluído.

No entanto, um considerável número de pessoas que se movem no mundo da ciência continuam a praticar religiosamente essa compartimentação. Em Arqueologia Pré-Histórica, isto traduz-se em querer perceber o Homem na Pré-História através das suas materialidades, sem ter em conta a sua psicologia e a sua atribuição de sentidos. Trabalhar a matéria e esquecer o sentido, argumentando que se segue a ciência. Mas não é isso que a ciência, hoje, nos diz. Pelo contrário, ela diz-nos que o Homem não é entendível sem considerar a sua psicologia, a sua cultura em relação com o seu mundo material. A crítica a uma separação corpo-mente, sujeito-objecto, é a crítica a uma separação ciências naturais e exactas – ciências sociais. Uma separação que se perpectua anacronicamente graças à especialização. Mas, como Ortega y Gasset bem lembra, a Ciência não tem especialidades, apenas os cientistas as têm. E esse é um problema que eles têm que resolver, depois de o consciencializarem.

António Carlos Valera