A minha investigação tem-se centrado na interacção entre ontologia e cosmologia, nomeadamente em duas vertentes:
1) uma etnográfica, focada no estudo de em que medida sociedades pré-literárias se vêm a elas mesmas, aos outros, à flora e fauna, assim como ao espaço e ao tempo e relacionam todos estes com a abóbada celeste.
2) outra arqueológica, focada na análise de orientações de monumentos do Mesolítico, Neolítico e Calcolítico, estudando a possibilidade de estes conterem alinhamentos com eventos astronómicos que estariam embutidos de significado para os seus construtores que, poderiam até, sincronizar rituais nos ditos monumentos com estes eventos.
O estudo da astronomia pré-histórica, mais comummente conhecida como arqueoastronomia, não é novo. No entanto a maior parte dos estudos tende a limitar-se a encontrar os tais alinhamentos, sem no entanto, haver um esforço para integrar tais dados com os arqueológicos e os antropológicos no sentido de se compreenderem os monumentos, assim como a ontologia que os gerou, como um todo.
Os trabalhos que tenho realizado, em dólmens entre o Douro e o Mondego, mostraram que, ao contrário de interpretações anteriores, os corredores e aberturas destes se encontram alinhados com o nascer da Lua Cheia em alguns pontos chave do ano, nomeadamente nos equinócios e nos solstícios. Isto demonstra um conhecimento das posições e dos movimentos, mensais e anuais, de ambos os astros, assim como, se aceitarmos uma sincronização de possíveis rituais com os eventos astronómicos, a execução de rituais ao fim do dia, durante o nascer da Lua Cheia, e o ocaso do Sol. Já no Alentejo se tinham encontrado alinhamentos com as Luas Cheias Equinociais, e parece que, um pouco por toda a Europa, isso se começa a ver.
Estas conclusões embatem também contra a definição tradicional de megalitismo (como referido num post anterior pelo António Carlos Valera) não só Português mas Europeu, urgindo que a mesma seja revista de modo a incluir e/ou explicar a componente astronómica dos mesmos.
Outra conclusão, inesperada, deste estudo foi a clara distinção, em termos de alinhamentos astronómicos, dos dolmens que se encontram nas bacias do Vouga, Paiva, Torto e Coa, e as do Mondego, distinção esta que já era suspeitada por alguns arqueólogos com base em diminutas diferenças arquitectónicas.
É através destes e de outros estudos que espero poder contribuir salutarmente para as discussões e outras actividades deste Círculo de Estudos.
Um abraço a todos,
Fabio Silva
As abordagens arqueoastronómicas fazem parte dos meus interesses actuais, pois desenvolvo um projecto, financiado pelo Gulbenkian, precisamente sobre estas temáticas em relação com os recintos de fossos do Neolítico e Calcolítico. Há muito que estas abordagens aos recintos na Europa têm em conta a fundamentação cosmológica (frequentemente com referentes astronómicos: sol, lua determinadas constelações), mas em Portugal tal nunca aconteceu. Agora que essa abordagem se está a desencadear, são notáveis os primeiros resultados, trazendo à evidência que o design e a localização de muitos destes recintos (tal como os monumentos megalíticos) são várias coisas ao mesmo tempo: uma linguagem (ou escrita, se quiserem - daí a feliz expressão brasileira para designar algumas estruturas aparentadas: "geoglifos"), uma forma de organização das paisagens, uma expressão de visões do mundo, uma forma activa de controlar e vivenciar o cosmos. São arquitecturas imbuídas de concepções ontológicas, que dificilmente podem ser entendidas numa perspectiva meramente funcionalista (sendo que tudo comporta igualmente uma perspectiva funcional, ainda que não concebida e percebida como tal).
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