segunda-feira, 7 de março de 2011

0011 - What is an idol?

Os “ídolos” e antropomorfos encontrados em contextos arqueológicos da Pré-História recente sempre exerceram um fascínio sobre quem os encontra. Ter na mão um cilindro de calcário decorado ou não, uma placa de xisto com olhos raiados ou uma pequena estatueta de pessoa ou animal parece aproximar-nos, mais do que qualquer outro objecto pré-histórico, das pessoas que os criaram.
Porque será isto assim? O que distingue, de facto, estes elementos de todos os outros? Porque é que entram logo na categoria de “objectos de excepção” nas colecções arqueológicas? Porque são belos e relativamente raros. Porque reportam para um mundo mágico e simbólico. Porque são ídolos. Porque sim. E assim permanecemos, nesta retórica essencialista, como lhe chamou Douglass Bailey.

A investigação pré-histórica na Península Ibérica pouco ou nada se tem dedicado ao tema das produções simbólicas, à excepção da publicação de notícias de novos achados. Há algumas excepções. Vítor Hurtado analisa, num artigo de 2008, as variações estilísticas  de certos grupos de ídolos (placas de xisto, ídolos oculados e antropomorfos) e coloca a hipótese de estas poderem reflectir as diferentes estruturas sócio-identitárias e territoriais das populações  que ocuparam o Sul da Península Ibérica no IV e III milénio AC.  Katina Lillios e Vítor Gonçalves desenvolveram projectos de investigação sobre ídolos-placa. Numa publicação de 2002, Katina Lillios avança com a hipótese das placas de xisto, elementos que apenas surgem em contextos funerários, cumprirem uma função heráldica em que as bandas decoradas veiculariam informação sobre a linhagem dos indivíduo comunicando, assim, ideias de pertença a um determinado grupo social.

O tema pode ser aprofundado. O Complexo Arqueológico dos Perdigões forneceu, até ao momento, uma colecção interessante deste tipo de artefactos. Entre ausências e presenças, o conjunto artefactual terá que ser cuidadosamente analisado. Pensá-los à luz de conceitos ontológicos pode ajudar-nos a responder a algumas questões centrais e críticas para o seu entendimento.

-  O que torna um objecto um ídolo? A função? O contexto em que foram encontrados? As suas características intrínsecas? O seu contexto de utilização? A matéria-prima?
- O que representam? E são o que representam? Que significado e consequências cognitivas tem a representação para as populações que os criaram e manusearam?
- Que nos dizem estes elementos sobre a visão do mundo das populações neolíticas/calcolíticas? E sobre a sua visão do Ser?

Esta nossa abordagem só agora começou. Integrar esta discussão neste grupo, aberto e transdisciplinar pode produzir um debate interessante e dar-nos as ferramentas para alargar o questionário relativo à ideia de ídolo na pré-história.

Referências bibliográficas:
Bailey, D.W., 2005:”Prehistoric Figurines. Representation and Corporeality in the Neolithic”. Routledge Books.
Hurtado, V.  “Ídolos, estilos y territorios de los primeros campesinos en el sur peninsular”, “Ojos que nunca se cierran. Ídolos en las primeras sociedades campesinas”, Museo Arqueológico Nacional, 2009
 Lillios, K. 2002: “ Some new views of the engraved slate plaques of southwest Iberia”. Revista Portuguesa de Arqueologia 5 (2): 135-151

Lucy Evangelista

5 comentários:

  1. Um dos problemas de uma arqueologia acrítica (e, portanto, acientífica) é o da aceitação das categorizações tradicionais sem as questionar e confrontar com novas linhas interpretativas. A Ciência, como as outras formas de conhecimento, gera os seus dogmas e entropias e, não poucas vezes, o progresso científico manifesta-se pelo simples questionar de um conceito ou categoria. Redescobrir o descoberto ou, numa versão construtivista do conhecimento, reconstruir o construído. Daqueles conhecimentos instituídos, familiares e insuspeitos. No fundo, é a velha dialéctica: a antítese tem que “provocar” a tese, para que as coisas se movimentem.

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  2. No que diz respeito aos "ídolos" desconfio que vamos chegar à conclusão que o termo foi abusivamente utilizado para descrever artefactos que não encaixam em nenhuma das outras categorias de objectos pré-históricos. Há certamente alguns aos quais nunca será possível atribuir significado. Para isso teríamos de conseguir reconstruir a forma como quem os produziu se via a si e ao mundo em que vivia. Será possível esta "Pré-História das Mentalidades"?

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  3. Se existe a possibilidade de questionar e discutir estas temáticas é possível uma "Pré-História das Mentalidades"! Não, nos podemos limitar a nós (arqueólogos) e o nosso objeto de estudo (populações pretéritas). Pois não podemos duvidar da capacidade dessa populações em ter uma consciência valorativa do "Ser". Temos é de nos interrogar as nós da nossa capacidade de apreender e o modo como apreende essa consciência de populações desaparecidas. Mas, creio na nossa capacidade. Ou desisitia de ser um "cientista".

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  4. É por isso que espero que os diferentes contributos para este Circulo de Estudos permitam ajudar a construir pontes nessa direcção!

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  5. Bom, João, concordo consigo quase até ao final. Mas do final "quase" que discordo. Porque a forma dita científica de apreender uma qualquer consciência valorativa do "Ser" de sociedades pretérias é, apenas, uma forma de o fazer.
    Conhecer pode ser traduzido como uma forma de nos relacionarmos com o mundo. E há várias formas de o fazer e todas elas produzem conhecimento e conhecimento válido.
    Mas talvez seja por isso que colocou cientista entre aspas.
    No Politécnico de Tomar (interessante ser num "politécnico") no próximo mês de Maio, irá decorrer precisamente um colóquio sobre o Ser entre a visão científica e religiosa, com a interessante particularidade de juntar, sem preconceitos, as duas "visões" nas suas mais variadas vertentes.
    Quanto aos ídolos, eu diria que há que regressar humildamente ao princípio e começar pode definir criteriosamente (à boa maneira científica) o que vamos entender por ídolo, para então depois enchermos a caixa com os itens que respondem aos critérios. Isto porque, de momento, a ambiguidade é total e depende do olfato de cada um.

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