sexta-feira, 11 de março de 2011

0014 - Ideias como objectos...

... ou a "objectificação" de uma ideia. Ver aqui: http://www.youtube.com/watch?v=0uofpcqw81o

De facto, um certo materialismo "primitivo (?)" induz-nos a pensar que uma ideia deriva de uma materialidade (independentemente da discução em torno da fisicalidade dos nossos processo cognitivos, entenda-se). Em Arqueolgia, é frequente encontrar-se a tese de que o objecto precede a ideia, ou por outra palavras, que o símbolo é precedido pelo simbolizado. A constante percepção de há algo primeiro e que depois é simbolizado, representado simbolicamente. Há uma prática essencialmente material e, depois, a sua representação ideológica. Há estrutura e superestrutura, e, apesar de todos os malabarismos da segunda, a primeira é a grande condicionante (para alguns ainda determinante).

Ora eu diria que em muitas situações ocorre o inverso. O objecto é o símbolo de uma ideia. O objecto é a reperesentação material de algo que foi primeiro idealizado, que existiu primeiro como abstracção e só depois se produziu a "representação" material dessa ideia.

Na realidade, parece ser isso que permanentemente ocorre quando produzimos algo: primeiro idealizamos a situação, o objecto, a estrutura; depois produzimos a sua representação material. Esta, como representação que é, nunca se ajusta na perfeição ao idealizado. Da mesma forma que, no processo contrário, uma representação ideográfica nunca se ajusta na perfeição ao objecto assim representado.

Resulta a ideologia de uma materialidade da vida ou é a materialidade da vida o resultado de uma ideologia?

Nesta mecanicista procura de um princípio determinante, nesta verdadeira metáfora do ovo e da galinha, será mesmo possível separar a ideia do objecto e discernir que uma das partes emerge primeiro em total independência das "propriedades" da outra? Poderei eu pensar um objecto fora das minhas relações prévias com o mundo material? Poderei eu representar mentalmente um objecto, fora do contexto mental da minha atribuição de sentidos ou das minhas escalas de grandeza?

Ideias como objectos ou objectos como ideias? Não serão duas faces de uma mesma moeda?
E, no entanto, a Arqueologia continua a tratar ideias como ideias e objectos como objectos. Materialismo e idealismo continuam nas suas tradicionais desavenças e o corpo continua a não se entender com a alma.

E, como dizia A. Jacqués, esta maneira de nos dividirmos em dois é extraordinariamente desgradável.

António Carlos Valera

3 comentários:

  1. Eu penso que se trata de uma "deficiência profissional" como apenas tratamos empiricamente com materialidades somos levados a discutir tudo a partir desse encontro com as cerâmicas ou os líticos, ou com qualquer outro vestigio. Somos levados pela forma como tomamos conhecimento do outro e pela forma como fomos educados em termos cientificos. Mal ou bem foi no paradigma que fomos educados!
    E falo por mim, quando digo que é dificil fugir a esse paradigma materialista, nomeadamente em Arqueologia. Em que o nosso ponto de partida é o objeto.
    Tudo depende de como discutimos o objeto, a forma como olhamos para o objeto e a forma como o procuramos entender.
    Eu não consigo é apenas objetificar o objeto, penso que ele para o Ser tem que ser pensado. Objeto e pensamento estão interligados de uma forma intrincada. E um sem o outro não têm qualquer significado. Não existe pensamento sem objeto e objeto sem pensamento.
    A dificuldade é procurar o pensamento de outro sobre o mesmo objeto para o qual estamos a olhar e a pegar sem ter acesso pessoal ao outro. É esse outro que procuramos. É a sua vivência (num sentido lato) que procuramos. Através e com o objeto. Os dois lados do espelho.

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  2. Caro João
    Diria que é tão dificiência profissional como qualquer argumentação que privilegie a ideia e menoriza a materialidade. O problema começa logo na organização administrativa e espacial das ciências, em que as faculdades do social e das ideias estão separadas das faculdades do material, do físico e do tecnológico. Há muito que venho sublinhando a necessidade de entender as consequências, para o conhecimento, das formas como se organizam administrativa e espacialmente, as instituições que se dedica, à sua produção.
    Os "vícios" começam aí, numa situação que traduz a perpectuação da organização medieval do conhecimento e, naturalmente, da também medieval separação entre corpo e mente (leia-se alma), matéria e ideia. Faculdades da matéria para um lado, faculdades da ideia para o outro, deixando ao critério e clarividência de cada um construir as pontes entre o arificialmente separado.
    Por isso a epistemologia é tão importante. Jamais poderemos ser críticos sobre as nossas próprias condicionantes se não questionarmos as condições de produção do conhecimento. Seria como tentar perceber o sucesso da colheita sem olhar para as condições da sementeira e da adubagem.

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  3. Existe a necessidade de se refletir sobre o que fazemos, como fazemos, como planeamos o que fazemos e da visão dos outros sobre o que fazemos. E julgo que isto é um ciclo perpétuo.
    O que é necessário para além da produção do discurso é que este também seja alvo de reflexão. Numa dupla, tripla, quadrupla hermenêutica. Ir procurando respostas, mas não as vendo como pontos finais. Mas, como novas interrogações.

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