segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

0002 - Estatuto do corpo e práticas funerárias neo-calcolíticas


Pé em conexão anatómica ao centro do pequeno átrio do Sepulcro 2 dos Perdigões, na fase inical de deposições.

Tenho dirigido a minha investigação dos últimos anos para os recintos de fossos Neolíticos e Calcolíticos, contextos que, como tenho vindo a sublinhar, estão intimamente relacionados, entre outras coisas, com a gestão da morte humana. As evidências são cada vez em maior número e mais diversificadas. Em sítios como os Perdigões, temos sepulcros megalíticos com deposições secundárias ou deposições de partes do corpo (um pé, no caso concreto); temos deposições em fossa, com manipulações dos corpos e subtracção de partes ou deposições de partes de corpos; temos deposições de ossos dispersos em fossos; temos evidências de incineração (ver discussão aqui). E tenho suspeitas que estas diferenças não correspondem apenas a alterações diacrónicas de práticas funerárias. Estou convencido (leia-se, tenho um questionário), por dados recentes portugueses e mais antigos europeus, que algumas destas práticas estão articuladas entre si e que o tratamento do corpo é muito complexo e passará, em várias situações, por diferentes procedimentos e espaços.

A própria noção de espaço funerário tem que se alargar e ser revista, ou como diria Whittle, como distinguimos “a site with burials from a burial site?”

Esta questão, a da noção de necrópole espacialmente separada e agregada a grandes povoados, foi recentemente questionada num texto interessante e disponível online aqui.

A imagem tradicional de um megalitismo ortostático como expressão, por excelência, das práticas funerárias Neolíticas e Calcolíticas no Sul de Portugal (Sul da Ibéria, diria), está a revelar-se como mais uma construção a necessitar de revisão.

Mas uma das coisas mais interessantes que os novos dados parecem trazer é o aspecto relacionado com a manipulação do corpo, que introduzem no meu pensamento algumas questões que me parecem centrais: teriam estas comunidades uma visão unitária do seu corpo, ou as partes de um mesmo corpo poderiam ter estatutos distintos, que se reflectissem no tratamento pós morte? Poderemos desenvolver no âmbito do tratamento dos corpos humanos (e dos animais também) a mesma abordagem teórica que tem sido desenvolvida para o problema da fragmentação de materiais e do papel estruturante que essa prática desempenha nas relações sociais destas comunidades? Passará por aqui o entendimento dos contextos “estranhos” que têm aparecido e que a tafonomia não explica convincentemente? Enfim, poderemos entender as práticas rituais funerárias sem questionar o carácter ontológico do corpo humano como unidade? A informação arqueológica recente vem sugerindo que dificilmente.

António Carlos Valera

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