segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

0003 - Astronomia e monumentalidade no Neolítico

A minha investigação tem-se centrado na interacção entre ontologia e cosmologia, nomeadamente em duas vertentes:

1) uma etnográfica, focada no estudo de em que medida sociedades pré-literárias se vêm a elas mesmas, aos outros, à flora e fauna, assim como ao espaço e ao tempo e relacionam todos estes com a abóbada celeste.
2) outra arqueológica, focada na análise de orientações de monumentos do Mesolítico, Neolítico e Calcolítico, estudando a possibilidade de estes conterem alinhamentos com eventos astronómicos que estariam embutidos de significado para os seus construtores que, poderiam até, sincronizar rituais nos ditos monumentos com estes eventos.

O estudo da astronomia pré-histórica, mais comummente conhecida como arqueoastronomia, não é novo. No entanto a maior parte dos estudos tende a limitar-se a encontrar os tais alinhamentos, sem no entanto, haver um esforço para integrar tais dados com os arqueológicos e os antropológicos no sentido de se compreenderem os monumentos, assim como a ontologia que os gerou, como um todo.

Os trabalhos que tenho realizado, em dólmens entre o Douro e o Mondego, mostraram que, ao contrário de interpretações anteriores, os corredores e aberturas destes se encontram alinhados com o nascer da Lua Cheia em alguns pontos chave do ano, nomeadamente nos equinócios e nos solstícios. Isto demonstra um conhecimento das posições e dos movimentos, mensais e anuais, de ambos os astros, assim como, se aceitarmos uma sincronização de possíveis rituais com os eventos astronómicos, a execução de rituais ao fim do dia, durante o nascer da Lua Cheia, e o ocaso do Sol. Já no Alentejo se tinham encontrado alinhamentos com as Luas Cheias Equinociais, e parece que, um pouco por toda a Europa, isso se começa a ver.

Estas conclusões embatem também contra a definição tradicional de megalitismo (como referido num post anterior pelo António Carlos Valera) não só Português mas Europeu, urgindo que a mesma seja revista de modo a incluir e/ou explicar a componente astronómica dos mesmos.

Outra conclusão, inesperada, deste estudo foi a clara distinção, em termos de alinhamentos astronómicos, dos dolmens que se encontram nas bacias do Vouga, Paiva, Torto e Coa, e as do Mondego, distinção esta que já era suspeitada por alguns arqueólogos com base em diminutas diferenças arquitectónicas.

É através destes e de outros estudos que espero poder contribuir salutarmente para as discussões e outras actividades deste Círculo de Estudos.

Um abraço a todos,
Fabio Silva

1 comentário:

  1. As abordagens arqueoastronómicas fazem parte dos meus interesses actuais, pois desenvolvo um projecto, financiado pelo Gulbenkian, precisamente sobre estas temáticas em relação com os recintos de fossos do Neolítico e Calcolítico. Há muito que estas abordagens aos recintos na Europa têm em conta a fundamentação cosmológica (frequentemente com referentes astronómicos: sol, lua determinadas constelações), mas em Portugal tal nunca aconteceu. Agora que essa abordagem se está a desencadear, são notáveis os primeiros resultados, trazendo à evidência que o design e a localização de muitos destes recintos (tal como os monumentos megalíticos) são várias coisas ao mesmo tempo: uma linguagem (ou escrita, se quiserem - daí a feliz expressão brasileira para designar algumas estruturas aparentadas: "geoglifos"), uma forma de organização das paisagens, uma expressão de visões do mundo, uma forma activa de controlar e vivenciar o cosmos. São arquitecturas imbuídas de concepções ontológicas, que dificilmente podem ser entendidas numa perspectiva meramente funcionalista (sendo que tudo comporta igualmente uma perspectiva funcional, ainda que não concebida e percebida como tal).

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