quarta-feira, 16 de março de 2011

0015 - Ideias como objectos ... II

A propósito da “objectivação” de uma “ideia” …

… os estudos de talhe experimental têm demonstrado a existência de uma “ideia” prévia à produção do objecto de pedra lascada. Não será esta “ideia” prévia que está na origem da repetição dos gestos na produção desse “objecto”? Aquilo que os pré-historiadores chamam tecnologia?

Ver aqui exemplo da técnica Levallois

Cláudia Costa

5 comentários:

  1. No creo que podamos describir tecnología como "repetição dos gestos na produção desse “objecto”". Tecnología (que no técnica) es un termino más amplio ya que adquiere un significado social complejo al implicar conceptos tales como:
    conocimiento, transmisión y organización.

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  2. De acordo. Tecnologia é técnica são coisas distintas. Um processo tecnológico até nem tem de resultar necessariamente na produção de artefactos, uma outra conversa...conceitos e terminologias são um pesadelo para os arqueólogos. Mas quem estuda «tecnologia lítica» não considera o levallois uma técnica, é um método de talhe que implica uma conjugação de gestos técnicos que preparam uma estrutura volumétrica que controla /pré-determina o resultado final - lasca ou sequência de lascas. Dito assim parece complexo, aliás o método levallois é para muitos um daqueles pontos de avanço cognitivo muito importante, mas não simplificando estou cada vez mais convencida ( quanto mais faço e sobretudo vejo experimentação) que nós arqueólogos complicamos demasiado...
    Sara Cura

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  3. "conceitos e terminologias são um pesadelo para os arqueólogos."
    Antes fossem. Seria sinal que eram pensados, o que nem sempre acontece, numa disciplina cada vez mais "tecnocrata".
    E já agora, é bom não confundir complicação com complexidade.
    O mais simples gesto técnico pode ser extremamente complexo. Isto porque esse gesto, muito frequentemente, não tem apenas uma dimensão técnica, mas está imbuído de sentido. A forma de fazer é identitária e não meramente técnica. A forma de fazer é comunicação e pode estar revestida de sentidos, ligados ou não, ao que se pretende produzir.
    Quando reconstituímos os gestos de talhe, podemos aproximar-nos dos gestos executados, mas será que captamos os sentidos que poderiam ter e as subtilezas diferenciadoras utilizadas para distinguir e comunicar? Entraríamos agora na interessante discussão sobre o estilo (mas é melhor deixar para outro post).
    Fazer uma taça de chá no Japão. Poderíamos reconstituir as etapas da produção e até alguns gestos, mas poderíamos reconstituir todo o cerimonial gestual e seus sentidos. E no entanto eles existem e fazem toda a diferença. Os gestos e as suas nuances, e não simplesmente o chá.
    O sentido é o grande drama para quem trabalha em Pré-História. Mas essa dificuldade não nos deve conduzir a um cepticismo que nos leve a simplesmente reflectir-nos sobre o passado ou a concebê-lo simples só porque nos é difícil atingir a sua complexidade. A sua, não a nossa. Pelo contrário, penso que procurar, numa aproximação contextual, questionar o sentido é condição para uma Pré-História contrastante, que não nos reflicta tanto a nós, mas mais aqueles com quem pretendemos dialogar através do tempo (e utilizo deliberadamente o termo dialogar, carregado de sentido expistemológico).

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  4. «é bom não confundir complicação com complexidade», claro. O simples não é o oposto do complexo. Aliás é justamente nesse sentido que estou a coordenar em parceria com um colega do Brasil, André Prous, uma sessão no próximo congresso da UISPP que se intitula - Debitagens oportunistas e procedimentos complexos. Mesmo que muitas vezes imperceptíveis no registo, não se devem ignorar. Quando se diz não consigo ver, não se está a ser céptico. O problema é recusar a existência daquilo que se «vê», limita a possibilidade de um dia ter outra perspectiva e até «ver» mais do que se pensava ser possível.
    Sara Cura

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  5. Claro Sara. A questão é o que se "vê" não é um absoluto, porque o objecto já nos chega como algo, nunca como neutro a que depois apomos sentidos. Ele aperece já aos nossos olhos como algo, e algo com sentidos, algo já sujeito a um processo de classificação. Uma pedra aparece-nos já como pedra e a sua imediata classificação é feita dentro de um quadro de referências prévio. O acto de reconhecimento perceptivo e o de classificação são simultâneos.
    O que é o "olho treinado" do bom prospector arqueológico senão isso. De forma quase incosciente, o olho faz a selecção dos objectos em que se centra a nossa atenção num qualquer terreno. Passamos os olhos sobre os restantes sem lhes "prestar atenção" e, de repente, algo nos faz fixar o olhar num objecto particular,sem que a consciência seja necessariamente activada. É o quadro prévio de referências a operar, sendo que essas referências são geradas em sentidos prévios do objecto e das suas características.
    E é isso que é preciso ter em conta: que para o ser humano não há objectos neutros; que eles estão sempre revestidos de sentidos e estes são históricos (ou seja, sujeitos a contingência); que esses sentidos são importantes para entender a relação entre o homem e esse objecto, logo, para entender o homem, que é, em última instância, o nosso objectivo.

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